sábado, 28 de dezembro de 2013

A LUTA DO HOMEM CIVILIZADO. Diálogos entre o filme Clube da Luta e o livro O Mal Estar na Civilização.

               
 Introdução

            Este trabalho tem como objetivo apontar as relações presentes entre o livro O Mal Estar na Civilização de Sigmund Freud (1930) e o filme Clube da Luta (Fight Club) dirigido por David Fincher (2000). Em relação ao livro homônimo, escrito por Chuck Palahniuk (1996), o filme é considerado umas das mais fiéis adaptações do cinema. Fracasso de bilheteria, a obra foi consolidando-se ao passar dos anos e hoje é considerada um clássico do cinema pós-moderno.
            No Brasil, durante a temporada em cartaz em um shopping freqüentado pela alta classe paulistana, uma das salas de exibição do longa foi palco de um episódio significativo. Um jovem de 24 anos disparou tiros de metralhadora acertando, ao que tudo indica, aleatoriamente, sete pessoas da platéia.
Neste ano de 2013, em um colégio tradicional de Goiânia, foi descoberto um Clube da Luta criado por alunos do 2º ano do ensino médio. O grupo se reunia no banheiro masculino durante os intervalos de aula e, assim como no filme, os participantes do clube seguiam uma lista de regras. A instituição privada é bem avaliada pela população local principalmente em relação aos critérios classificatórios de pontuação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Os pais dos alunos exigiram a demissão de um dos professores do colégio que, mesmo tendo ciência das freqüentes lutas organizadas pelo grupo, decidiu não interferir.
O que esses dois incidentes podem nos dizer sobre o conteúdo do referido produto artístico? O que esta obra, por sua vez, nos diz sobre a civilização da qual brotam esses tipos de acontecimentos? Considerando as referências trazidas pela psicanálise, buscaremos analisar as pistas e os símbolos presentes na narrativa de sons e imagens que o filme constrói para elucidar a compreensão do “mal estar” apontado na obra de Freud.

Quem é Tyler Durden?

A principal relação da trama se dá entre o inominado personagem-narrador vivido por Edward Norton e Tyler Durden (Brad Pitt). No início, o primeiro homem citado é uma figura comum da classe média americana, funcionário de uma seguradora de automóveis, dono de um apartamento compulsivamente mobiliado de acordo com os catálogos, infeliz e com problemas de insônia. Após conhecer Tyler, sua vida toma um rumo radicalmente oposto ao que vinha se desenhando. Numa sequência inesperada, ele explode seu apartamento, passando a morar numa casa em ruínas; abstêm-se da formalidade pela qual conduzia suas relações burocráticas, assumindo uma conduta profissional displicente; funda um clube da luta, no qual pessoas se reúnem secretamente, num átimo de libertação selvagem, utilizando-se de seus instintos agressivos para se sentirem vivas.
Incrivelmente, a grande surpresa dramatúrgica reservada ao final do filme está na descoberta de que, ao contrário do que se supunha, Tyler Durden não passava o tempo todo de uma alucinação. Tanto para os espectadores quanto para o personagem-narrador da história, Tyler é concebido como um segundo ser, de personalidade, aparência e condutas bastante distintas das do protagonista do filme, quando, na realidade, os dois são a mesma pessoa. Apenas em seus minutos finais, o filme revela a qualidade patológica da compreensão sustentada, remetendo-nos aos distúrbios apontados na psicanálise como resultantes das confusões sobre os limites entre o Eu e o mundo externo.

A patologia nos apresenta um grande número de estados em que a delimitação do Eu ante o mundo externo se torna problemática, ou os limites são traçados incorretamente; casos em que partes do próprio corpo, e componentes da própria vida psíquica, percepções, pensamentos, afetos, nos surgem como alheios e não pertencentes ao Eu; outros, em que se atribui ao mundo externo o que evidentemente surgiu no Eu e deveria ser reconhecido por ele. Logo, também o sentimento do Eu está sujeito a transtornos, e as fronteiras do Eu não são permanentes. (FREUD, 2011, p. 9)

            O fato é que o protagonista, apesar de ser capaz de realizar todos os feitos citados anteriormente, não concebia a ideia de que ele próprio estava agindo de forma tão diferente da habitual. Tyler era tido como um instrumento de sua ação.

O homem civilizado.

O protagonista está inserido, desde o início da trama, em um universo outrora apontado nos textos sociais de Freud como mundo civilizado, no qual, como reconheceu o psicanalista, de comum acordo, todos tendem ao sacrifício de seus instintos em benefício do grupo. A dinâmica civilizatória tem como “passo cultural decisivo” (2001, p.40) a transferência do poder, antes nas mãos dos indivíduos mais fortes, para a própria comunidade. O pacto civilizatório é compartilhado entre os membros do grupo e tem-se amplamente introjetado o conceito de justiça, o que garante que a ordem legal não seja violada em benefício de um indivíduo, arbitrariamente. Em cima disso, constrói-se a noção de direito. Em rigor, todos são iguais perante as leis e ninguém está livre de punição caso desrespeite os combinados interiorizados através da cultura. É claro que isso não se dá de forma completamente harmonizada. A não satisfação dos instintos pode, se não for compensada economicamente, causar graves distúrbios aos homens. Disso, iremos tratar mais adiante, em outro tópico. Ainda sobre o conceito de civilização, vejamos uma de suas definições.

(...) a palavra “civilização” designa a inteira soma das realizações e instituições que afastam a nossa vida daquela de nossos antepassados animais, e que servem para dois fins: a proteção do homem contra a natureza e a regulamentação dos vínculos dos homens entre si. (FREUD, 2011, p. 34)

Distinguindo-se dos animais e sofisticando progressivamente a singularidade humana, é sensato imaginarmos que, dentre as conseqüências desse processo, haja também um afastamento entre o homem e seus próprios instintos. Em outras palavras, os homens civilizados, em busca de segurança e longevidade, abrem mão de gozarem suas liberdades instintuais e enfraquecem suas conexões com a natureza rudimentar. Com isso, a própria vida humana ganha características mecanicistas na medida em que se afasta da espontaneidade e rebusca cada vez mais seu conjunto de necessidades, assim como os critérios pelos quais irá guiar-se na decisão de satisfazer ou não a cada uma delas.
Homogeneizados, debilitados em suas forças animais e atraídos por necessidades sofisticadas, os homens constituem a chamada sociedade de consumo. Em relação a isso, gostaríamos de destacar uma cena na qual o protagonista da trama de Clube da Luta é convidado, no contexto de uma experiência meditativa, a adentrar sua própria caverna em busca de seu poder animal. Na tomada seguinte, em meio a um gélido cenário, ele encontra-se com um pinguim. Nossa hipótese é de que essa figura ajuda a nos remeter ao imaginário do mundo moderno através da ativação da memória do pinguim de geladeira, uma mercadoria cujo valor é fantasioso. [1] Ou seja, atende a desejos inéditos, inúteis, se olhados pela ótica das necessidades primárias.
Outra analogia pode feita entre a ave e o homem civilizado. A aparência do pinguim assemelha-se ao estereótipo do engravatado. Sempre em bandos, ambos aparentemente uniformizados, dão-nos a sensação de que caminham de maneira mecânica, automática, e que não gozam da liberdade da escolha. É irônico que a força animal do protagonista esteja encerrada numa figura desengonçada e frágil como aquela. É significativo e faz menção a esse desligamento, entre nós e nossos instintos selvagens, cultivado ao longo do processo humanizatório.
Talvez por isso, por tamanho desconforto em ser o que se é, o personagem principal da trama acaba buscando medidas paliativas para suas angústias e insônias. Ao ser ignorado em seu pedido de ajuda médica, ele acaba participando de grupos de assistência a pessoas com câncer. Dentro deles, imerso na atmosfera de sofrimento extravasado, ele se permite chorar e, chorando, consegue dormir novamente.
A fragilidade do corpo físico é uma das fontes apontadas por Freud para a existência da infelicidade humana[2], “corpo que, fadado ao declínio e à dissolução, não pode sequer dispensar a dor e o medo, como sinais de advertência.” (FREUD, 2011,p.20) Chloe, participante de um dos grupos que o personagem passa a frequentar, sofrendo por um câncer bastante adiantado,  faz um relato no qual se expõe em busca de uma última experiência sexual, transcendendo alguns limites introjetados pela cultura. As palavras ditas causam constrangimento ao grupo. Não há espaço no mundo da civilização para que as pessoas manifestem-se desta forma e Chloe, por estar numa situação limite, não parece mais se importar em adequar-se a ele. Talvez seja essa a busca do protagonista. Encontrar uma situação limite que o permita sentir-se vivo como um bárbaro, um selvagem, alguém que não participa deste acordo mal sucedido e que não hospeda em si a mesma insatisfação dos civilizados.
Tyler Durden é uma espécie de guia espiritual que, através da experimentação do caos, conduz o protagonista ao fundo do poço.

Tyler diz que ainda nem cheguei perto do fundo. E se não levar alguns tombos pelo caminho, não serei salvo. Aconteceu isso com Jesus na tal de crucificação. Não basta abrir mão de dinheiro, bens materiais e conhecimentos. Não é um mero retiro de fim de semana. Eu devia esquecer a autoperfeição e perseguir a desgraça. Não podia mais ficar brincando de salvação.
Isso não é um seminário.
- Se você não tiver coragem de bater no fundo, não vai conseguir – diz Tyler.
Só se pode ressuscitar depois do desastre. (...)
Eu pergunto: estou ao menos próximo do fundo?
- Onde você está agora, não consegue nem imaginar onde é o fundo. (PALAHNIUCK, 1996, p. 34)

No decorrer do estreitamento de laços entre os dois, constróem-se algumas situações nas quais Tyler inspira, incentiva e oferece meios para que o protagonista se aproxime desse objetivo destrutivo.

O Clube da Luta.

É nesse contexto de busca transcendente que o Clube da Luta é criado. Uma luta por vez, dois homens, sem camisa, sem sapatos, encontram-se no meio da roda e batem-se o mais forte que puderem. Não se trata de uma competição. Não há quem perca ou ganhe a luta. O limite a ser ultrapassado é o limite da dor, do medo, da apatia, da desconexão entre o homem e sua própria força animal. As lutas terminam quando um dos participantes pede, sinaliza ou fraqueja e elas duram o tempo que for necessário. 
O protagonismo da violência nesse processo de auto conhecimento[3] sugere algo. Se no processo de civilização o homem se viu obrigado a reprimir seus impulsos em prol da coletividade, isso, como já mencionamos outrora, seria causa primeira da hostilidade gerada entre os indivíduos. Adversos, porém, por vezes unidos compulsoriamente, os homens convivem abstendo-se da satisfação de alguns desejos e impulsos agressivos. O impulso derivado da pulsão de morte, tanatus, obstina a destruição, tende ao nada. Pouco aceito e reprimido pelo acordo social, acaba investido contra o próprio eu. Alimenta-se assim um ciclo, pois, o homem, ao realizar esse processo, internaliza, ele mesmo, as balizas da cultura que, por sua vez, reprime a manifestação da violência. Freud denomina essa instância psíquica reguladora da ação humana como Super-eu.

A agressividade é introjetada, internalizada, mas é propriamente mandada de volta para o lugar de onde veio, ou seja, é dirigida contra o próprio Eu. Lá é acolhida por uma parte do Eu que se contrapõe ao resto como um Super-eu, e que, como “consciência”, dispõe-se a exercer conta o Eu a mesma severa agressividade que o Eu gostaria de satisfazer em outros indivíduos. À tensão entre o rigoroso Super-eu e o Eu a ele submetido chamamos consciência de culpa; ela se manifesta como necessidade de punição. A civilização controla então o perigoso prazer em agredir que tem o indivíduo, ao enfraquecê-lo, desarmá-lo e fazer com que seja vigiado por uma instância no seu interior, como por uma guarnição numa cidade conquistada. (FREUD, 2011, p. 69, grifo nosso)

            A luta do homem comum é o embate entre a natureza nos instintos e a ordem castradora instaurada. No Clube da Luta, quando tiram suas camisas e seus sapatos, simbolicamente despem-se de seus papéis sociais. Encorajados pelo grupo, gritam, batem, apanham, sujam-se, marcam seus corpos com hematomas e cicatrizes. Nos dias seguintes, ao retornarem às suas vidas, seus empregos, olham uns aos outros com a satisfação de dividirem o mesmo segredo.  

O Sabão.

“Não limpe. Sabão e o sacrifício humano andam de mãos dadas – diz Tyler.” (PALAHNIUCK, 1996, p. 34)
Gostaríamos ainda de abordar outra significante relação simbólica presente no filme. Uma das coisas que Tyler ensina ao protagonista é a fabricação caseira de sabão. Como vimos no livro de Freud, o sabão pode ser considerado como medida direta do grau de civilização social. Destacando a limpeza como uma das exigências culturais[4], ele aponta:   

Não achamos que tivesse alto nível de civilização uma cidade inglesa do tempo de Shakespeare, quando lemos que diante da casa de seu pai, em Stratfors, havia um monte de esterco; nós nos indignamos e tachamos de “bárbaro”, que é contrário de civilizado, quando vemos sujos de papéis os caminhos do Bosque de Viena. A sujeira de qualquer tipo nos parece inconciliável com a civilização; estendemos para o corpo humano a exigência de limpeza e ouvimos espantados que a pessoa do Roi Soleil exalava um cheiro péssimo, e balançamos a cabeça quando, na Isola Bella, mostram-nos a pequenina bacia que Napoleão usava na toalete matinal. (FREUD, 2011, p. 37)

Acreditamos que a presença do sabão na trama do filme seja intencionalmente crítica. Tyler, questionador declarado da ordem vigente, utiliza-se de um símbolo civilizatório para transgredir sua própria lógica. Seguindo a receita da mistura de gordura e soda cáustica, os dois amigos passam a saquear os lixos das clínicas de lipoaspiração. Ironicamente, o sabão fabricado era revendido nas mais luxuosas lojas de cosméticos. Fechando um ciclo bizarro, mulheres ricas compram de volta suas próprias gorduras. A incoerência do sistema fica explicitada assim como a ilusão presente nos selos de qualidade dos produtos, nos contratos de seguradoras de automóveis, nas cartilhas anti-pânico dos aviões, no mundo.   

Considerações finais
           
Todos os intercâmbios possíveis entre as duas obras analisadas confirmam a continuidade da presença dos questionamentos humanos relativos ao processo de civilização. Tanto Freud quanto Fincher (diretor do filme) e Palahniuk (autor do livro) nos permitem exercitar a reflexão sobre o tema. Seja pelos escritos da psicanálise, seja por meio de uma representação poética, permitimo-nos elaborar, problematizar, questionar a ordem civilizatória na qual nascemos e vivemos. 
            Os acontecimentos citados na introdução deste estudo refletem o impacto desse tema e as variadas formas de manifestação que ele pode assumir. Chama-nos atenção o fato de que, nos dois exemplos mencionados, o do atirador e o do colégio, os indivíduos envolvidos pertencem a um grupo social de médio a alto poder aquisitivo. Ao que tudo indica, compartilham das regras da sociedade de consumo, possuem os acordos culturais devidamente introjetados e, num rompante de questionamento das circunstâncias sociais, cada qual a sua maneira, vêem-se em busca de libertação destas amarras. 


REFERÊNCIAS
FREUD, S. O Mal Estar na Civilização. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras. 2011
MARX, K. O capital: crítica da economia política: Livro primeiro: o processo de produção do capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.v.1.
PALAHNIUK, C Clube da Luta. São Paulo: Editora Leya Brasil. 1996
Filme
Fight Club(Clube Da Luta), Direção: David Fincher, roteiro: Jim Uhls, Distribuição:
20th Century Fox. EUA, 2000.




[1] “A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia”. (MARX, 1975, p. 41)
[2] As outras duas: a ação de forças inexoráveis do mundo externo;  relações com outros seres humanos.   (FREUD, 2011, p.20)
[3] Referimo-nos, neste caso, ao resgate dos impulsos reprimidos e rechaçados culturalmente e que, presentes no homem, necessitam ser re-conhecidos. O auto conhecimento, dialeticamente, faz-se na negação de si mesmo. Na destruição dos contornos, dos limites identitários, das ideias de eu civilizado. 
[4] Freud estabelece uma tríade de exigências essenciais à civilização: Beleza, Limpeza e Ordem. 

segunda-feira, 25 de março de 2013

Lista de selecionadas.

Entre textos e anúncios da alma, vejo-me, por tantas possíveis palavras concorrentes, obrigada a selecionar as candidatas. Minha ânsia por tanto dizer me inclina sempre na direção de caber mais uma.  Mas palavras demais são ruins. Coube a mim esta decisão e aqui está ela. Escrita, revisada, e enfim, publicada nesta página, a lista de selecionadas. 

Explicitando os critérios utilizados, devo revelar que muitas vezes a admissão de uma ou outra palavra acaba sendo um espanto. Porém, na maioria das ocasiões, o que conta, a favor ou contra, é a tessitura do referido conjunto de letras. O que pretendo dizer com isso é que já não basta que a palavra diga por si mesmo o conteúdo desejado pelo autor de um texto. A combinação com as demais candidatas ao redor é o que realmente lhe tornará uma das contempladas deste ou de qualquer edital. Como uma trama, o texto nasce do envolvimento e da disposição das palavras-fios que, uma a uma, por cima, por baixo, darão corpo ao tapete das ideias. 

O caminho da escolha é sinuoso. Muitas palavras são apagadas ou trocadas por quais melhor conduzam o pensamento. Às vezes, frases inteiras são limadas em sua falta de coerência. Há casos ainda onde o problema é maior: faltam candidatas qualificadas para a função. Fica o escritor engasgado. Sem poder dividir sua  ................ com mais ninguém, ele segue condenado a imaginar sozinho.  

Injustiças hão de ser feitas. Todo sistema de escolha é falho. Como qualquer processo seletivo, sempre acontece de se prejudicar alguns. Não era um bom dia para a palavra, para o escritor, para o revisor que olhava tudo com olhos viciados. Nada se pode fazer quanto a isso. Resta à  palavra perdedora o caminho resiliente de prosseguir atenta aos sinais da contemporaneidade para que, logo mais, possa cair no gosto dos modistas.    

A discussão contempla o fato de que as relações pessoais do júri com as candidatas sempre acabam por influenciar.  No elenco de um texto, pode-se jurar encontrar palavras repetidas, parecidas, repetidas, aparecidas. O que nos falta, talvez, é qualquer parâmetro legal. Quem fiscaliza a conduta daquele que, muitas vezes sem responsabilidade, conduz o lápis e esfrega impunemente sua borracha? Quem advoga pelas injustiçadas palavras que nunca sequer estrelam listas de supermercado? Quente! 

Pelas frestas de um texto, percebemos, quando atentos, escolhas, se não radicais, inconscientes, que são fruto de imbricadas relações de poder. Não é a toa que a expressão “palavra mal colocada” é conhecida nas inúmeras tentativas apaziguadoras de um conflito de opinião. Não foi bem isto que eu quis dizer. Com a frase anterior, posso eu, dona e responsável por minha própria colocação, transferir culpa aos preteridos vocábulos.   

Neste sentido, coloco também a público meu posicionamento acerca da polêmica questão das cotas. As palavras chulas e tabuístas, socialmente desvalorizadas e preconceituosamente atribuídas às classes populares pouco escolarizadas foram sim, por séculos, marginalizadas e excluídas das margens livrescas. Cabe promover urgentemente políticas públicas de retratação à tamanha violência simbólica.  

Pum, chulé, atoladinha. 

Por fim, atento para a o desfecho inacabado deste ou de qualquer texto. Uma obra, ainda que finalizada, é sempre ponto de partida para críticas e releituras. Sendo assim, não pretendo encerrar a discussão nem fazer de meu ponto final um  

* O pedido de recurso está aberto às candidatas não contempladas. Para fazê-lo, basta que compareçam ao pensamento da autora que vos escreve munidas de significado e sentido.  

   

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Renata.

O que vai acontecer quando as crianças tomarem o poder?



Tudo o que é prioridade vai importar primeiro
No mercado de trabalho nunca vai faltar: goleiro, astronauta e bombeiro
E o salário do banco vai cair na banca de figurinha
O morador de rua que não tem casa vai poder dormir na minha


E pro almoço hoje tem brigadeiro
Eu vou brincar, não vou pensar em dinheiro
E todo pai vai ter que ser sorveteiro
E a mamãe vai me dar beijo o dia inteiro


O mundo é novo
O sistema é novo
E quem mama não vai ter que chorar, buá, buá.... Rá, Rá, Rá, Rá,
Rá, Rá, Rá, Rê, Rê, Rê, 
Re-natinha, deixa eu ser sua madrinha
Renatinha, vem nascer minha florzinha
Comigo você passa bem, se diverte também
Comigo você passa bem, se diverte também, Veeem!!

domingo, 30 de janeiro de 2011

Liturgia.

Tenho sentido o forte cheiro da morte ao meu redor. Não porque estaríamos morrendo mais, mas porque tenho estado um tanto presente aos funerais. Estou cada vez mais envolvida ao cerimonial  e muito atenta aos movimentos da Senhora do Destino. Estou com ela e ela está comigo. Entre velórios e enterros, se foram pensamentos, formas, impressões, planos. Eles foram levados por doenças, violências, tragicidades ou mera morte morrida. Estive lá, tomei café, comi bolachas. Chorei também. Como não? Não tenho vergonha de admitir que esperneei em algumas idas com minhas muitas lágrimas incrédulas. Outras passagens, até  mesmo das mais difíceis, me encontraram forte. Como uma boa menina, abracei a morte. Olhei-a nos olhos com resignação e compreendi. Que as coisas vem e vão, e nós não estamos aptos a fazer ajustes no tempo de cada uma delas. Somos suspeitos demais, envolvidos e amarrados nas forças do apego e do medo de tudo que vem novo. Entendido, posso me ocupar apenas de ser o que sou. Parei de cobiçar o setor administrativo da vida. Quem cuida disso pra mim agora, é a morte. E  se ela faz isso desde eternamente, com tanto talento, pra que vou eu, criatura, me incomodar em medir suas decisões? Nesse momento, eu flerto com a morte. Me entrego aos seus cuidados com tamanha fé e paixão que acho lindo morrer. Agradeço a Deus por permitir que eu morra. E gosto de seja assim, um pouquinho todo dia. E vou aprendendo com ela a difícil arte do desatar...  

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

só de pó.

Dispersão é uma bosta. 
Os textos saem ruins,
as leituras equivocadas, 
os diálogos incoerentes, 
a respiração curta, 
os amigos sozinhos, 
o dinheiro trocado,
o bolo esmigalhado,
os olhos vagos,
o golpe frouxo, 
o fluxo fraco,
os sabores sonsos... 

dispersão é desperdício

já por isso, leite condensado é um deleite. 

sábado, 22 de janeiro de 2011

*&¨%7zuk¨¬¬$%@.

A coerência é o que me atrasa.

Tenho relâmpagos de impulsos bizarros que não podem ser sequer assimilados por mim mesma. Minha racionalidade entra em curto circuito. Algo me chama pra fora do círculo habitual. Paro, me concentro, entro em contato com uma força interna que diz,

 "dêumtapadosardidosnacarecadoindivíduo"...........................................................................................................................................não sei se devo...



Penso, perco o timing. 

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Dois.

Latente

Das amarguras dessa vida
a mais amarga é a despedida,
 que lateja,  que goteja...

um formigar tão triste assim.

Doce seria viver bem
se te restasse um mel na mão.
Nem azedo de limão
cobriria um sim, sabor.
Bom com frio e com calor.
Reze, assopre e beba.
Amém.